conto de 1873 é o espetáculo de uma capitulação: a segura Raquel, que nas primeiras cartas parecia estar absolutamente imune aos arroubos da paixão romântica, vai dando lugar à mocinha piegas que encontra no Dr. Alberto sempre menosprezado o homem ideal com quem vem a se casar. Dizer, no entanto, que “Ponto de vista” é a história da capitulação de uma moça que acaba por se revelar tão ou mais romântica do que as amigas criticadas, é reduzir o conto aos propósitos
moralizantes de quando se chamava “Quem desdenha...”. Como era moralizante o teor da carta XIX, ao ser publicada no Jornal das Famílias: o “mea culpa” de alguém que acaba por se render a quem sempre desdenhara, e que no livro dará lugar à perplexidade da amiga, não menor nem menos eloqüente do que sua resposta: “!!!”. Mais importante do que a capitulação de Raquel é a intenção de Machado de convidar o leitor à participação mais ativa na leitura das cartas, de
forma a captar as nuances e os subentendidos que Luísa não soube perceber. Por isso é que, ao longo da narrativa, fica-se com a impressão de que, sob a aparência de uma inocente troca de cartas entre amigas, muitas coisas estão sendo omitidas.
Daí que, nas cartas de Raquel, o leitor deve ler menos o que está escrito do que apreender o que não está dito.
Por isso também o conto “Ponto de vista” se presta ao
desmascaramento da sinceridade das cartas: se delas já se disse que são “o espelho da alma”, “o encontro das almas”, não é o que acontece com as de Raquel, o tempo todo despistando, dissimulando, dizendo o não, mas querendo dizer o sim,
dizendo o que não quer, para não dizer o que não pode (ou que tem vergonha de admitir). Portanto, é por intermédio de Raquel, que sempre diz o contrário do que pretende, que a ironia se instala em “Ponto de vista”. Se o leitor, aqui, é obrigado
a proceder à leitura das entrelinhas, é porque deixou de ser tratado como “leitor ingênuo”, “leitor curioso”, leitor que “lê ao pé da letra”, e entre ele e o narrador tem início uma relação, não mais de tutoria, e sim de cumplicidade. Que é quando
começa igualmente a (verdadeira) literatura.","bookFormat":"EBook","publisher":{"@type":"Organization","name":"Best Books Brazil"}}