No paradisíaco litoral de Alagoas, debaixo de um coqueiral extenso, havia uma palhoça que, aos domingos de sol forte, enchia de banhistas. Era o bar do seu Manoel, que de mané não tinha nada. Fiado ele cortava a estranhos e àqueles fregueses assíduos só vendia para pagar depois por motivo de consideração, e dos bônus que ao longo dos tempos acumularam. Mas o que chamava mesmo a atenção do bar do seu Manoel não era o tira-gosto quentinho assado na brasa nem a cerveja geladinha, tirada da freezer vertical. Geralmente, o freguês costumava dar o ar da sua graça por lá com o fino propósito de ler as frases do garçom Lulinha, carinhosamente apelidado de o garçom filósofo.
No papelzinho da conta, o senhor das letras deixava para cada cliente uma mensagem especial, gostasse ou não da profundidade das palavras. Ao pessoal que ali frequentava reparando a vida dos outros, dizendo que um é magro, outro é gordo, naquele deboche danado, macaco velho em como tratar elemento dessa qualidade, o filósofo sacava a caneta do bolso da camisa branca, escrevia algo, e fazia aterrissar de bico o bilhetinho bem em cima da mesa dos preconceituosos, com uma lapada literária, tal como: “Há os que erram porque querem saber, os que erram porque não sabem o que querem e ainda os que sabem o que querem, mas mesmo assim erram”.
Para a turma que bebe elogiando em excesso o serviço do bar, como quem no final vai pedir outra cerveja para pagar no dia de são nunca, Lulinha, vacinado contra freguês que ajeita a gravatinha borboleta do garçom com segundas intenções, a porrada cultural para que o sangue de velhaco não gastasse além da quantia que trouxe em sua carteira: “Quem embarca em navios de promessas se vê ancorado em ilhas da fantasia”
E nas vezes que o bar ficava com cara de que seguiria noite adentro, a lua sorrindo lá do alto, seu Manoel pondo a dentadura para sorrir também, por causa dos cornos que levam chifre, mas gastam, Lulinha pelos cornos é solicitado: - Filósofo, escreve aí na cadernetinha algo que me faça esquecer a amada, porque as canções bregas não funcionaram... Doutor em resolver problemas dessa natureza, e como cada caso de corno é um caso, para aliviar o fardo dos chifres no quengo de trabalhador braçal, Lulinha tacava-lhes um torpedo popular: “Sexo não se faz por favor; sexo se faz por amor” Mas se visse que o camarada era um corno culto, abria mão daquela máxima e enviava uma outra, altamente filosofada: “Amigo, não somos nada e concomitantemente somos tudo; porque se, para uns, inexistimos, sem nós, outros não existiriam; se somos, para uns, apenas uns a mais no mundo, para outros, em seu mundo, somos os únicos a existir”
A sua prática de colocar no bloco de anotações máximas e frases feitas de improviso, a todos, impressionava pela originalidade. Muitos gaiatos, para desmascará-lo, espichavam os olhos até o limite da visão apenas para terem certeza absoluta de que Lulinha não ia penetrar na cozinha, de pontinhas de pés, apto a uma ação maquiavélica de copiar tudo de algum livro de grandes mestres pensadores, escondido entre a comida do armário… mas, nada de truques, tudo saía mesmo do crânio privilegiado desse doutor honóris-causa.
Um prato cheio para a imprensa escrita e televisada
E volta e meia aparecia repórter de todos os cantos, um brigando com o outro, naquele empurra-empurra de microfone e câmera de televisão, tudo para agendar entrevistas furo-de-reportagem com o mago da bandeja iluminada.
...a coisa foi indo, foi indo, e sua fama chegou até em Portugal
FRASES INTERESSANTES - 500 máximas inéditas e contextualizadas - para filosofar: no bar, no congresso, no clube, no lar espírita e na escola
Frases Interessantes é uma obra de Fábio Braga, reconhecido por suas máximas inseridas em contextos diversos, como no premiado conto Garçom Filósofo. Ainda, o ebook em PDF surpreende e fornece no final centenas de frases e máximas descontextualizadas, para serem colocadas em sua moldura Ficou ótimo!
Para Filosofar no Bar 3
GARÇOM FILÓSOFO
No paradisíaco litoral de Alagoas, debaixo de um coqueiral extenso, havia uma palhoça que, aos domingos de sol forte, enchia de banhistas. Era o bar do seu Manoel, que de mané não tinha nada. Fiado ele cortava a estranhos e àqueles fregueses assíduos só vendia para pagar depois por motivo de consideração, e dos bônus que ao longo dos tempos acumularam. Mas o que chamava mesmo a atenção do bar do seu Manoel não era o tira-gosto quentinho assado na brasa nem a cerveja geladinha, tirada da freezer vertical. Geralmente, o freguês costumava dar o ar da sua graça por lá com o fino propósito de ler as frases do garçom Lulinha, carinhosamente apelidado de o garçom filósofo.
No papelzinho da conta, o senhor das letras deixava para cada cliente uma mensagem especial, gostasse ou não da profundidade das palavras. Ao pessoal que ali frequentava reparando a vida dos outros, dizendo que um é magro, outro é gordo, naquele deboche danado, macaco velho em como tratar elemento dessa qualidade, o filósofo sacava a caneta do bolso da camisa branca, escrevia algo, e fazia aterrissar de bico o bilhetinho bem em cima da mesa dos preconceituosos, com uma lapada literária, tal como: “Há os que erram porque querem saber, os que erram porque não sabem o que querem e ainda os que sabem o que querem, mas mesmo assim erram”.
Para a turma que bebe elogiando em excesso o serviço do bar, como quem no final vai pedir outra cerveja para pagar no dia de são nunca, Lulinha, vacinado contra freguês que ajeita a gravatinha borboleta do garçom com segundas intenções, a porrada cultural para que o sangue de velhaco não gastasse além da quantia que trouxe em sua carteira: “Quem embarca em navios de promessas se vê ancorado em ilhas da fantasia”
E nas vezes que o bar ficava com cara de que seguiria noite adentro, a lua sorrindo lá do alto, seu Manoel pondo a dentadura para sorrir também, por causa dos cornos que levam chifre, mas gastam, Lulinha pelos cornos é solicitado: - Filósofo, escreve aí na cadernetinha algo que me faça esquecer a amada, porque as canções bregas não funcionaram... Doutor em resolver problemas dessa natureza, e como cada caso de corno é um caso, para aliviar o fardo dos chifres no quengo de trabalhador braçal, Lulinha tacava-lhes um torpedo popular: “Sexo não se faz por favor; sexo se faz por amor” Mas se visse que o camarada era um corno culto, abria mão daquela máxima e enviava uma outra, altamente filosofada: “Amigo, não somos nada e concomitantemente somos tudo; porque se, para uns, inexistimos, sem nós, outros não existiriam; se somos, para uns, apenas uns a mais no mundo, para outros, em seu mundo, somos os únicos a existir”
A sua prática de colocar no bloco de anotações máximas e frases feitas de improviso, a todos, impressionava pela originalidade. Muitos gaiatos, para desmascará-lo, espichavam os olhos até o limite da visão apenas para terem certeza absoluta de que Lulinha não ia penetrar na cozinha, de pontinhas de pés, apto a uma ação maquiavélica de copiar tudo de algum livro de grandes mestres pensadores, escondido entre a comida do armário… mas, nada de truques, tudo saía mesmo do crânio privilegiado desse doutor honóris-causa.
Um prato cheio para a imprensa escrita e televisada
E volta e meia aparecia repórter de todos os cantos, um brigando com o outro, naquele empurra-empurra de microfone e câmera de televisão, tudo para agendar entrevistas furo-de-reportagem com o mago da bandeja iluminada.
...a coisa foi indo, foi indo, e sua fama chegou até em Portugal